Revista Rua


O discurso no Twitter, efeitos de extermínio em rede
The discourse on Twitter, extermination effects in net

Vivian Lemes Moreira, Lucília Maria Sousa Romão

            O efeito de morte continua a fazer girar as postagens em ordens de extermínio de nordestinos, aqui nomeados como “do inferno”, o que reclama considerar a memória discursiva tão retomada em um país de forte tradição católica como o nosso. Ser do inferno é um atributo que coloca o outro em uma posição para a qual a perseguição funciona como legitimada e aceita, quiçá necessária. Só a título de passagem, podemos lembrar todas as espécies de guerra santa que fazem falar um grupo, etnia ou comunidade como alvo de perseguição; assim, os nordestinos são designados ao modo de satãs que precisam ser executados. E também como “burros do %$#%@$$%”, o que marca outra forma de o sujeito vangloriar-se de uma imaginária inteligência em contraste ao que ele desqualifica por meio de uma generalização perigosa de não-inteligência que seria inata aos nordestinos; o jogo de posições-sujeito, dado pelas marcas já analisadas nas sequências discursivas anteriores (eu versus o outro, paulista versus nordestino, Sp versus nordeste), aqui desliza para outras regiões de sentidos, quais sejam, ser de deus ou de satã, ser inteligente ou não. Observamos que esse funcionamento discursivo vai tecendo, a cada twittada, um ponto a mais para justificar o extermínio do outro e discursivizando modos de produzir efeitos sobre o que seria a legitimidade de uma prática de morte, deslocada de todas as implicações de crime que ela en(t)cerra.
            Ainda no recorte acima, chama a nossa atenção os significantes “sede e fome”, pelo fato de discursivamente darem suporte ao desejo de morte dos nordestinos. O sujeito, pelo efeito ideológico de evidência, esquece e silencia a fome e a seca como ícones da estrutura sociohistoricamente construída, desde o período colonial, de exploração dos recursos naturais e de expropriação de massas trabalhadoras, apaga qualquer outra possibilidade de compreensão da conjuntura política que sustenta a inscrição da sede e fome no âmbito social. Reduz-se, assim, todo dizer ao sentido de um desejo de morte endereçado ao outro, já definido como em falta, em déficit, em dívida por vários traços. Vale anotar que movimento de repetição engolfa os sujeitos, alimentando-os a dizer do mesmo lugar, reforçar a mesma posição e fazer cristalizar os mesmos sentidos, algo que a própria rede facilita pela velocidade com que é possível postar e ver o seu comentário em circulação. Esse traço do on-line, do tempo do instante e do apressamento de dizer produz uma espécie de hipnose e o sujeito se vê engolido pela obrigação de dizer algo, de se posicionar, de responder ao(s) outro(s) muitas vezes sem o tempo de pausa que toda interpretação reclama.