Revista Rua


A homoafetividade no discurso jurídico
The homoaffection in the legal speech

Débora Massmann

Considerações Finais
 
A partir das descrições, percebeu-se que os sentidos construídos através das designações da palavra homoafetividade funcionaram em direções argumentativas distintas.
De um lado, o sentido de homoafetividade foi constituído a partir de uma relação antomínica com heteroafetividade. Ou seja, enquanto aquela, designando relação de afeto entre pessoas do mesmo sexo, é considerada juridicamente como uma sociedade de fato, isto é, trata-se de um conceito do Direito Civil, mais precisamente do Direito das Obrigações, esta, referindo-se às relações de afeto entre homem e mulher, é designada como união estável, família e casamento e situa-se no Direito de Família. Em outras palavras, na medida em que relações homoafetivas não podem ser reconhecidas juridicamente como união estável, já que não cumprem o requisito primeiro da distinção sexual, elas só podem ser consideradas sociedade de fato. O argumento principal do desembargador e o ponto fundamental para a designação de homoafetividade parece ser aqui a questão sexual. É a partir deste jogo de sentidos que se estabelece entre o que é (ou não) juridicamente possível que o Presidente-Relator do processo expõe seu voto mostrando sua posição argumentativa contrária ao reconhecimento de união estável homossexual requerido pela ação.
Por outro lado, observou-se que, no segundo texto, a rede de sentidos que homoafetividade fez funcionar apontou para outra direção argumentativa. A relação antonímica deu lugar à analogia e, consequentemente, às relações de determinação semântica. Neste caso, homoafetivade foi descrita no âmbito das relações de família já que diz respeito a questões de afeto entre seres humanos (pessoa). Assim sendo, a argumentação do desembargador considerou que as relações homoafetivas deveriam ser compreendidas e julgadas embasadas nos mesmos princípios legais que regem as relações heteroafetivas. Nesse sentido, o Relator-redator do processo enunciou voto favorável ao reconhecimento de união estável homossexual. Ao organizar sua argumentação, o desembargador promoveu um deslocamento de sentido no que concerne às relações afetivas entre pessoas do mesmo sexo. Este deslocamento se produziu do sexual para o afetivo e provocou novas interpretações e filiações semânticas à homoafetividade. Ao trazer a questão do afeto como um elemento central às relações homossexuais, argumenta-se a favor da dignidade e da justiça e contra a discriminação.