Revista Rua


A homoafetividade no discurso jurídico
The homoaffection in the legal speech

Débora Massmann

A segunda traz o preconceito, o sectarismo, o apartheid pela opção sexual. Implica em reconhecer como menos a relação entre duas pessoas de mesmo sexo, sob o paradigma das relações heterossexuais. Ainda que corrente seja a heterossexualidade, o paradigma é outro: é o do gênero humano[3].
 
Além de questões jurídicas, essa discussão envolve aspectos políticos e sociais. Neste caso, a batalha pelos direitos referentes à diversidade sexual não se restringe à legislação de um país. Como esclarece Foucault (2006), exercer um direito de fato, isto é, em seus efeitos reais, está muito mais ligado às atitudes e aos “esquemas de comportamento do que a formulações legais. É possível que exista uma discriminação em relação aos homossexuais, embora a lei proíba tais discriminações. É então necessário lutar para dar espaço aos estilos de vida homossexual” (2006, p. 119). Sociedade e Estado não podem mais fingir que desconhecem as relações afetivas entre iguais, assim como não podem também ignorar os efeitos jurídicos, políticos e sociais derivados dessas relações. 

Novos tempos e novos paradigmas trazem consigo novas formas de dizer e de significar as relações humanas. Neste trabalho, interesso-me especificamente pelas novas formas de nomear as relações entre pessoas do mesmo sexo. Consciente de que o modo de designar essas relações varia conforme o enunciador e o lugar em que ele está situado, selecionei como objeto de reflexão a palavra homoafetividade. Meu objetivo é descrever e analisar o(s) sentido(s) dessa palavra num conjunto de enunciados produzidos especificamente no discurso jurídico. Percebendo que o termo homoafetividade tem sido, frequentemente, empregado como alternativa semântica à homossexual, pergunto-me: que sentidos são construídos quando as relações entre pessoas do mesmo sexo são nomeadas através da palavra homoafetividade? Quais são as relações de sentido que se produzem pelo funcionamento desta palavra numa enunciação específica? Para responder a estes questionamentos, fundamento-me no dispositivo teórico-metodológico da Semântica do Acontecimento, tal como proposta por Guimarães (2002, 2007, 2009), que compreende que “a análise do sentido da linguagem deve localizar-se no estudo da enunciação, do acontecimento do dizer” (GUIMARÃES, 2002a, p. 7).


[3] Desembargador Rui Portanova, Julgamento da Apelação Cível 70021637145, em 13/12/2007. 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Para mais informações consulte <http://www1.tjrs.jus.br/site/>