Revista Rua


A homoafetividade no discurso jurídico
The homoaffection in the legal speech

Débora Massmann

categorização[10] que se fundou no que se pode chamar de “poder da Norma” (FOUCAULT, 1998). É através deste “poder da Norma” que as instituições de poder estabelecem o normal como coerção social. A força deste princípio regulador pode ser observada na sociedade atual que ainda não se desvencilhou desta memória histórico-ideológica que remete ao sentido de homossexual.
 
Do funcionamento do sentido
 
Conforme destaquei no início desta reflexão, a palavra homoafetividade será investigada aqui em uma perspectiva enunciativa. Concebendo a enunciação como um acontecimento de linguagem que se produz pelo funcionamento da língua, a Semântica do Acontecimento compreende a significação e sua relação com “o que acontece”[11] como sendo construídas linguisticamente. Nessa perspectiva, o dizer é um acontecimento e a cada acontecimento as palavras podem assumir sentidos diversos. É, no acontecimento do dizer, que o sentido se constitui, pois a língua[12] em funcionamento movimenta-se, transforma-se e significa de diferentes formas. Este processo de produção de sentidos mobiliza procedimentos enunciativos distintos que afetam, reescrevem, retomam e resignificam aquilo que já foi dito.
A fim de observar como os sentidos se constroem e se constituem pelas relações de determinação[13] entre as palavras que resultam do modo como estas se relacionam umas com as outras ao longo do(s) enunciado(s) e ao longo do texto, elege-se o enunciado como unidade de análise. Visto como a unidade de sentido que integra um texto, ele se caracteriza pela sua consistência interna e pela sua independência relativa em relação ao texto. Para mostrar como os sentidos são construídos enunciativamente, Guimarães (2007) propõe o conceito de Domínio Semântico de Determinação (DSD). Definido como um mecanismo de descrição e de interpretação, o DSD ampara-se nas


[10] No século XVIII, a homossexualidade era descrita a partir de três estigmas: sexualidade, loucura e crime.
[11] De acordo com Guimarães (2007, p. 77), a expressão “aquilo que acontece” pode ser definida como a relação que a significação linguística estabelece ao “se reportar a”, ao “se relacionar a”, ao “‘diz de’ alguma coisa”.
[12] Neste trabalho, a língua não é tomada “como uma estrutura, um sistema fechado, mas [sim] como um sistema de regularidades determinado historicamente e que é exposto ao real e aos falantes nos espaços de enunciação” (Guimarães, 2007, p. 96).
[13] A determinação é descrita por Guimarães (2007, p. 79) como “uma relação fundamental para o sentido das expressões linguísticas”. O autor esclarece ainda que “semanticamente, é possível dizer que toda relação de predicação é, em certa medida, pelo menos, uma relação de determinação e vice-versa” (GUIMARÃES, 2007, p. 78).