Revista Rua


A homoafetividade no discurso jurídico
The homoaffection in the legal speech

Débora Massmann

reflexão dois textos jurídicos produzidos por desembargadores da Oitava Câmara Cível da Comarca de Porto Alegre. Estes textos compõem um acórdão[15] sobre um recurso de apelação (Nº 70021085691 2007/CÍVEL), interposto pelo Ministério Público, sobre a sentença que julgou procedente a ação declaratória de reconhecimento de união homossexual. Os textos selecionados representam os votos de dois desembargadores, o Presidente-Relator (PR) e o Revisor-Redator (RR) do processo, que adotam diferentes posições argumentativas não só sobre a sentença, mas principalmente sobre o modo como as relações entre pessoas do mesmo sexo devem ser tratadas perante a Lei.
 
Sobre o ponto de vista do Presidente-Relator
Logo nas primeiras linhas de seu voto, o Presidente-Relator já indica em qual direção argumentativa seu voto será construído: “no mérito, o tema inegavelmente é tormentoso, envolvendo questão polêmica, referente à possibilidade ou não do reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo” (p.3) (Recorte 1). Neste fragmento, pode-se dizer que “a possibilidade ou não do reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo” reescreve, através de um procedimento de expansão, “tema inegavelmente tormentoso”. Esta será a posição defendida pelo magistrado ao longo de seu discurso. Ele reconhece a existência de jurisprudência de vanguarda que tem tentado acompanhar o avanço das relações humanas e ressalta seu respeito pelos pares adeptos dessas decisões judiciais. No entanto, afirma que essa não é a sua posição e justifica-se: “ainda não consigo, em cima de conceitos principiológicos ou até mesmo metajurídicos, contornar óbices claros advindos de norma constitucional e infraconstitucional” (p. 3). Adotando uma posição argumentativa que está embasada principalmente no que diz a lei, este magistrado vai sustentar sua argumentação principalmente em argumentos de autoridade, isto é, fragmentos do texto da Constituição Federal e do Código Civil.
Ao anunciar que sua posição é aquela da lei que rege o país, PR desconsidera a possibilidade de haver união estável entre pessoas do mesmo sexo e, indiretamente, questiona também uma série de direitos que se constroem nas e pelas relações homoafetivas. É mostrando a inconstitucionalidade do pedido de reconhecimento de união estável, que este desembargador vai criando uma teia de sentidos em torno da palavra homoafetividade. Ela aparece em relação com outras palavras não só no âmbito


[15] O Acórdão pode ser definido como a sentença judicial, a resolução de recursos em tribunais coletivos, administrativos ou judiciais.