Revista Rua


A homoafetividade no discurso jurídico
The homoaffection in the legal speech

Débora Massmann

Nessa perspectiva, o sentido de homoafetividade é descrito e analisado, neste artigo, a partir de uma posição enunciativa em que se considera que é no funcionamento da língua, no acontecimento do dizer, que a significação linguística se produz. Consciente de que a produção de sentidos resulta de uma relação da linguagem com a linguagem, os sentidos das palavras selecionadas para esta reflexão serão observados a partir de seu “funcionamento eminentemente linguístico, (...) que, ao funcionar simbolicamente, estabelece a conexão com as coisas” (GUIMARÃES, 2009, p. 49). Deve-se esclarecer, portanto, que o sentido não é tomado aqui como a descrição de um estado de coisas no mundo (perspectiva referencialista), nem mesmo como o resultado de relações de diferenças linguístico-culturais nos modos de perceber e de categorizar a realidade através do sistema linguístico (perspectiva relativista).
 
Sobre a gênese da palavra
 
Estudar o sentido da palavra homoafetividade implica compreender as condições históricas e sociais da época em que este termo foi criado. A partir dos anos 80, o discurso sobre a homossexualidade começa a ter nuances mais positivas. No entanto, com a epidemia da AIDS, intensifica-se a homofobia e a discriminação. A palavra homossexualidade e seus derivados são afetados pelos acontecimentos de um determinado momento histórico que produzem efeitos de sentidos na sociedade e nos sujeitos homossexuais. É justamente a partir dos efeitos de sentido ocasionados pela AIDS que se assiste a uma reconfiguração dos grupos homossexuais que, neste momento, se pautou na organização da defesa dos direitos civis e na aceitação identitária (MISKOLCI, 2007).
Assim, a década de 90 traz consigo novas formas linguísticas de designar as relações entre pessoas do mesmo sexo. Propostas em domínios epistemológicos distintos, essas novas designações tinham em comum o argumento de que o sufixo “-ismo”, da palavra homossexualismo, estaria ligado a doença, enquanto que o sufixo “-idade” (-dade), da palavra homossexualidade, expressaria um estado do sujeito, um comportamento, ou ainda um modo de ser (FREIRE, 1992).
Na busca por uma terminologia que estivesse isenta destes sentidos outros que, durante mais de um século, produziram – e foram produzidos – pelas palavras homossexualismo e homosexualidade, no Brasil, no domínio psicanalítico, Freire