Revista Rua


A homoafetividade no discurso jurídico
The homoaffection in the legal speech

Débora Massmann

do enunciado, mas também ao longo do texto à medida que vai sendo redita, reescrita e ressignificada. Vejamos outros recortes:
 
Recorte (2): Com efeito, se o casamento entre pessoas do mesmo sexo não é permitido, como aceitar a chamada “homoafetividade” como formadora da união estável? Vale dizer, atribuindo à união estável os efeitos do casamento, em situação quando o casamento não pode ser concebido (p.4).
 
Se no recorte (1), “as relações entre pessoas do mesmo sexo” reescreviam, por expansão, “tema inegavelmente tormentoso”, no caso do recorte (2), assiste-se a uma relação de sentido entre “casamento entre pessoas do mesmo sexo”, “homoafetividade” e “união estável”. O jurista mostra que, apesar de legalmente haver a possibilidade de converter união estável em casamento (para casais heterossexuais), isso não é válido e não é aceito juridicamente para as relações homoafetivas. Aqui, “as relações entre pessoas do mesmo sexo” são reescritas através da designação “a chamada “homoafetividade””. E esta por sua vez, articula-se à “união estável”. No entanto, as relações de sentido que são construídas a partir dessa articulação vão ser mais detalhadas na sequência do texto, quando a noção de família aparece relacionada à união estável entre o homem e a mulher. É possível verificar que o desembargador argumenta para mostrar que, perante a lei, as relações homoafetivas não podem ser consideradas como união estável, já que não têm o requisito principal para erigir-se ao patamar de entidade familiar, a dualidade de sexo. Nesse sentido, não existe a possibilidade de haver união estável, nem mesmo de haver família nas relações homoafetivas.

Recorte (3): Nenhuma dúvida há na interpretação do texto constitucional (art. 226, § 3°), ao prever a união estável entre o homem e a mulher[16] como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento (conversão apenas possível entre homem e mulher). Da mesma sorte, outra interpretação não se recolhe do Código Civil vigente (art. 1.723), conceituando “a união estável como entidade familiar entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. Aliás, dizendo o mesmo Código, logo adiante, que essa união, com tais características, não se constituirá nos casos de impedimento para o casamento (art. 1.723, § 3º). Como então concebê-la – pergunta-se -, em hipótese quando o casamento não é permitido.

Já no recorte seguinte (4), observa-se que aquilo que antes era designado por “relação entre pessoas do mesmo sexo”, “relações homoafetivas”, agora é reescrito, por


[16] Grifo do texto original.