Revista Rua


O corpo na relação trabalho x prazer
The body in relationship labor x pleasure

Fernanda Surubi Fernandes e Olimpia Maluf-Souza

No caso do cadastro acima (figura 2), os itens profissão e ramo/negócio representam um mesmo lugar, o do meretrício, não havendo uma distinção. Nessa direção, tem-se a inscrição do meretrício como uma profissão – “Ninguém a força aviver dessa profissão”– havendo, portanto, uma descriminalização desse tipo de atividade, que passa a ser considerada, apenas uma comercialização, como qualquer outra, em que a meretriz prestava um serviço e recebia por ele.
Vemos, portanto, como o uso do corpo para atividade de prostituição produz sentidos negativos, pois, considerado como degradação, o prazer para a sociedade é algo primitivo, feio, que deve ser silenciado, e a meretriz representa o que a sociedade desagrada e repudia, pois esta usa o corpo para o trabalho, proporcionando prazer. Dessa maneira, ao dar prazer através do corpo, a prostituta pode também senti-lo, o que é negado pela sociedade capitalista, pois o corpo propicia o lugar de poder dizer sobre o trabalho e sobre o prazer, numa relação contraditória. Assim, seus efeitos produzem a contradição, tanto negativa, de estranhamento (o uso do corpo para a prostituição) quanto de aceitação pela moral social (o uso do corpo para o trabalho). No entanto, a prostituição também não seria o uso do corpo para o trabalho, para o sustento? E, ao mesmo tempo, não seria o corpo, nessa relação de trabalho, o objeto de proporcionar/sentir o
É nessa perspectiva que, na materialidade analisada, encontramos a inscrição do meretrício como profissão, uma vez que, no Brasil, a prostituição não é considerada como profissão, pois não é regularizada[4].
Schlindwein (2009), ao falar do site desta organização, mostra os sentidos produzidos em torno da formulação presente no site: Sem vergonha, garota. Você tem profissão[5], pois há nessa formulação, um silenciamento da explicativa, pois poderíamos formar a sentença: Não tenha vergonha, garota, porque você tem profissão, nota-se que não há, portanto, necessidade de explicação. A formulação sustenta sentidos em relação a ser sem vergonha, imaginário relacionado à atividade de prostituta/prostituição e produz sentidos relacionados à legalização da prostituição enquanto profissão, no Brasil.
Esse funcionamento relaciona-se com a contradição presente nos cadastros analisados nesse trabalho. As marcas presentes demonstram o lugar da prostituição como profissão e ao mesmo tempo há uma forte interdição, que produz sentidos ainda na atualidade.

[4] Há, no entanto, muitos projetos e organizações que lutam pelos direitos das mulheres prostitutas no Brasil, como é o caso da ONG Davida.
[5] Formulação recortada por Schlindwein (2009) do site www.davida.org.br.