Revista Rua


O corpo na relação trabalho x prazer
The body in relationship labor x pleasure

Fernanda Surubi Fernandes e Olimpia Maluf-Souza

que é lugar de sentir e de dar prazer. Nessa direção, a prostituta constitui-se de modo a produzir sentidos que se instalam pela contradição entre trabalho, prazer e corpo.
Trata-se de sentidos que, construídos pela moral social, produzem uma contradição que é constitutiva da prostituição, pois essa era renegada pela sociedade, mas em nenhum momento vemos a tentativa de por fim em tal atividade, assim, a prostituta/prostituição era/é considerada um “mal necessário”, devendo ser apenas controlado, mas não extinto.
Nessa relação, as formulações a seguir – recortadas dos cadastros policiais – demonstram efeitos de desobrigação e desresponsabilização do Estado pela prática da prostituição. 

(01) “É meretriz voluntariamente há 8 anos”
(02) “Ninguém a força a viver dessa profissão”
(03) “Não vive constrangida em sua profissão de meretriz”
 
Observamos que essas formulações se constituem numa relação parafrástica e polissêmica. Para Orlandi (1998), o jogo sobre as regras da língua é o que afeta a repetição, produzindo deslocamentos, que permitem, através da substituição, que o sentido possa a vir ser outro, afetando, desse modo, a materialidade discursiva.
Nesse caso, as formulações: É meretriz voluntariamente há 8 anos./ Ninguém a força a viver dessa profissão. /Não vive constrangida em sua profissão de meretriz, produzem efeitos que apagam e subsumem todo o caráter de indução social – fator socioeconômico e cultural – que as próprias fichas produzem, pois quem pratica a prostituição voluntariamente o faz por desejo, por prazer, por qualquer outro aspecto em que o financeiro tem pouco ou nenhum valor.
Dessa maneira, a liberdade para ‘escolher’ se tornar meretriz, se é que ela existiu, retirou-a, por outro lado, da condição de mulher submissa e dependente, e conferiu-lhe a condição de uma mulher que é dona de sua própria vida, ou seja, a atividade de meretriz conferiu-lhe um sentido de escolha. No entanto, é preciso salientar que a posição sujeito policial interpreta as falas da prostituta, falando por ela, ao produzir as fichas. Desse modo, produz-se o silenciamento de todas as condições sociais e econômicas que levam a mulher a se prostituir, pois os efeitos que sua formulação produz acerca da imagem das prostitutas são os de mulheres que gostam desse tipo de vida, que não se sentem culpadas e que são obstinadas em fazer o que sempre quiseram fazer. Esse efeito confere à mulher a condição de leviandade, pois optam por não mudar o que fazem e o fazem por prazer, por gosto ou por qualquer outra razão de menor valor.