Revista Rua


O corpo na relação trabalho x prazer
The body in relationship labor x pleasure

Fernanda Surubi Fernandes e Olimpia Maluf-Souza

Esse corpo modelado, controlado, põe em funcionamento uma memória sobre a sexualidade insubmissa, ou seja, a prostituição se realiza pelo uso do corpo para o prazer, não exercendo o que se espera de um corpo dócil, isto é, “[...] um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado” (idem, p. 118). Essa docilização dos corpos leva-nos a questionar como é constituído, nesse espaço disciplinar, a prostituta e a prostituição, pois, para Foucault (2008, p. 123), há “[...] lugares determinados [que] se definem para satisfazer não só a necessidade de vigiar, de romper as comunicações perigosas, mas também de criar um espaço útil”. Um funcionamento, segundo o autor, presente nos hospitais, nos quartéis e nas escolas, cuja tentativa de controlar o ser humano através do corpo, através do trabalho, suprime a sexualidade, exacerba as regras, faz funcionar valores morais e apaga no homem a primitividade.
Nessa relação, o corpo é voltado somente para o trabalho, é como se não houvesse tempo para o não fazer nada, assim, os corpos ociosos são submetidos às regras e, como tais regras não podem parar, tornam-se corpos úteis para o trabalho, mas somente para isso, pois com a submissão freia-se também qualquer ato que o faça mudar ou pensar nas relações de forças de trabalho, uma vez que se trata de extrair dos corpos sempre as forças mais úteis. Segundo Dhoquois:   
 
[...] O corpo pode ser usado e coagido não só pelas condições de trabalho como também pela primazia dos interesses da empresa sobre os do trabalhador. O corpo deste está muito envolvido com seu dever de obediência. O corpo laborioso é um corpo submisso. (2003, p.43)
 
Esse funcionamento da sociedade disciplinar nos faz pensar, no entanto, no trabalho da prostituta ou na prostituição como trabalho.
Nessa direção, observarmos que a prostituição vai se colocar em outro lugar, no lugar do silêncio constitutivo, que age através da opressão, mas que é determinado através da resistência. Assim, ao tratar o corpo como sendo um meio de controle dos sujeitos, a prostituta/prostituição parece se colocar na contramão desse processo, pois o corpo, que é um objeto de controle, de manipulação pela força do Estado, é, no caso da mulher que se prostitui, seu bem, seu material de trabalho, sua mão de obra, um objeto pessoal do qual ela faz uso, como qualquer trabalhador, não vivendo desse modo, na vagabundagem, na preguiça, o que produz sentidos diferentes dos que habitualmente a sociedade constitui sobre a prostituta. Essa contradição, marca a constituição da imagem da prostituta através do corpo, que é tomado, pelo poder do Estado, como força de trabalho da meretriz, como objeto de sua produção.