Revista Rua


A deriva de sentidos de "Terra da luz" no pós-governo mudancista: Uma análise do vídeo Ceará, terra da luz
The drifting of meanings of "Terra da Luz" in the post-changing government: an analysis of the video Ceará, Terra da Luz

Aline Maria Freitas Bussons

tradicionalmente, foram utilizados pelos mudancistas no seu marketing turístico para o estado e que, consequentemente, construíram um novo imaginário de Ceará, para o Ceará e para o restante do país[9]. Em linhas gerais, fizemos uma análise que nos permitirá compreender o funcionamento da expressão, na materialidade, em suas articulações com o histórico e o político.
 
E Deus disse: haja luz! E houve luz...lá no Ceará[10].
Analisar a deriva de sentidos da expressão “terra da luz”, em diferentes materialidades, impõe um horizonte, uma memória discursiva que aponta, sem dúvidas, para dizeres do Ceará republicano e abolicionista dos finais do século XIX. Como já afirmamos, o epíteto foi dado à província por José do Patrocínio, justificado pelo fato de ser ela, a primeira do país a libertar os escravos[11], fazendo do Ceará um “exemplo de civilização”, a “terra da luz, a terra da liberdade”. Este dizer é posto em circulação por intelectuais cearenses que, à época, influenciados pelas teorias de Bucke, criticavam a incoerência entre a “grandiosidade da natureza” e a “indolência da sociedade frente à escravidão”, levantando, assim, a bandeira da abolição enquanto ideal de evolução social (OLIVEIRA, 2001, 50-51).
A idealização social do fim da escravatura, no Ceará, fazia parte de um movimento intelectual que objetivava projetar a província para o restante da nação, definindo suas fronteiras e singularidades, através de discursos que exaltavam modernização, civilização e progresso. O fim do trabalho escravo significava a possibilidade do desenvolvimento de uma sociedade livre e moderna, a qual, através do trabalho também livre, geraria riqueza para o restante da nação. Tais discursos circulavam em um Ceará que vivia, a um só tempo, a modernização de Fortaleza e a seca, no interior do estado: de um lado, a capital se urbanizava com seus cafés de nomes franceses, ruas pavimentadas e bondinhos; de outro, a seca, de 1877, assolava a população que seguia em grandes marchas, do interior para a cidade, em busca de sobrevivência.


[9] Fazemos a ressalva, entretanto, de que não se trata de uma análise exaustiva (se é que isso é possível), pois muitos elementos deixaram de ser abordados: “o verde mar que me seduz”, por exemplo, e a memória discursiva dos “verdes mares bravios” de José de Alencar, dentre outras coisas, não foram tratados.
[10] Referência ao samba-enredo da escola de samba carioca “Imperatriz Leopoldinese” de 1995, durante o segundo governo das mudanças, gestão Ciro Ferreira Gomes: “Mais vale um jegue que me carregue que um camelo que me derrube lá no Ceará”.
[11] A abolição dos escravos, no Ceará, aconteceu em 1884, quatro anos antes da Lei Áurea.