Revista Rua


Segregação e invenção na cidade: uma entrevista com Barba nos jardins do Museu de Arte Moderna - MAM/ RJ
Segregation and inventiveness in the the city: an interview with Barba at the gardens of The Museum of Modern Art - MAM/ Rio de Janeiro

Adriana Fernandes

A: Cês juntavam e cozinhavam.
B: Ia lá fora, eu tirava o lixo todinho, ele me dava tipo dez reais hoje, eu esperava o lixeiro, mas tinha uma coisa combinado, não tem aquela maminha, que o bacana não come a gordura, nem todos. Se fosse o colesterol eu acho que eu já tava morto [risos]. Maminha, alcatra, esses negócio. Eles pegam tá, e ainda botava numa lata de vinte e dava dois quilos de sal grosso. Eu botava em cima, ia com aquela pedra, porque antigamente não tinha essa pedra, a pedra era até aqui só, agora que ele já fez a Marina mais pra cá. A gente ia lá na pedra, dois sacos de gelo, lacrava a boca, botava no sol, virava carne-de-sol, no sábado era feijoada com cerveja. E se chegasse alguém de fora com fome, 'ó meu amigo, a lata de vinte tá ali, a água é lá'. Era aquela bica ali, 'você dá teu jeito, vê se tem ovo, se tem pão, porque aqui não é Shereton Hotel, nem Copacabana Palace, aqui'. 'Chegou, tem que se virar'. 'E se for na água e trouxer um galãozinho de água a gente agradece'.
A: Ah, você pedia também.
B: O cara não vai chegar só comendo, que é isso?
A: Ficar na folga.
B: No outro dia eu mandava o negócio: 'Quando vir lá de fora trás um quatro caixotinho que ajuda também', ‘mas eu não sei’, 'pode ir lá fora fazer tua batalha, quando vir de lá, vem com dois galões novo, de preferência com água, se você ganha pão velho traz também. Tudo o que der pra poder fortalecer senão'.
A: Dava uma organização.
B: Organização. Eu pegava o negozinho, que mora agora aqui atrás, na bolsa, a droga levou, jogou tudo fora, ganhou casa.
A: Brabeira.
B: Bobeira[13], essa droga entrou aí, ele fumava maconha depois passou para cocaína, numa época, na época do Brizola, ela veio. Ela veio mesmo mandada, e era pesado, aí tinha o McDonald’s, na Álvaro Alvim[14], que tá fechado agora, e o Bob’s. Pegava o papelão. Sabe essas caixas de ovo? Vinha só “Big bob’s” [tipo de sanduíche]. Muita coisa mesmo. Mandava o falecido Dom Caveiro vir de lá, que ele tinha um carrinho, de supermercado, já comprava um quilo de açúcar, um quilo de café, deixava na maloca lá, se faltasse açúcar a gente pegava emprestado da tia que cozinhava no quiosque, fazia o café, todo mundo comia. Toma conta de carro aqui, lavava carro aí. Tinham várias viração, agora que... É que as pessoas agora... O problema é o


[13] Muito interessantes algumas falas entre Barba e eu, que mostram um desencontro barulhento: no caso, meu comentário moralizador sobre as drogas (“Brabeira”), colocando a utilização das mesmas como algo extraordinário e terrível, que Barba desconstruiu lucidamente (“Bobeira”), destacando que, se as pessoas da rua por um lado fazem uso de drogas, existe um espaço de negociação com as mesmas, onde a idéia de um cuidar a respeito parece despontar.
[14] Rua Álvaro Alvim, no centro da cidade, atrás da Praça da Cinelândia, região de aglomerações políticas e culturais mais diversas, como: o bar Amarelinho, reduto de militantes de esquerda; o Verdinho, bar de encontro e paquera gay; Teatro Rival (casa de shows de MPB); nos arredores, o Cine Orly (cinema de pegação [ver CAPUCHO, 1999]); na praça, o Cine Odeon (com lançamentos de filmes nacionais); entre outros. Na Álvaro Alvim, fim da década de 80, nas calçadas das lanchonetes Bob’s e McDonald’s, punks de diferentes regiões da cidade se encontravam (ver CAIAFA, 1989).