Revista Rua


Subjetividade e discurso: a representação da língua (indígena e portuguesa) para professores Terena
Subjectivity and discourse: the representation of language (Indian and Portuguese) to Terena teacher

Alessandra Manoel Porto e Vânia Maria Lescano Guerra

Em outras palavras, há a instauração de relações de poder ao ser aceita essa condição de mobilidade pelos Terena, como assevera Foucault (1997, p. 241): “a partir do momento em que há uma relação de poder, há uma possibilidade de resistência. Jamais somos aprisionados pelo poder: podemos sempre modificar sua dominação em condições determinadas e segundo uma estratégia precisa”. Para SP1, a escolha da L2 nos dois momentos não significa refutar a L1, mas sim, (res)significa numa estratégia de controle para garantir que consigam permanecer índios (NINCAO, 2008).
Para ainda confirmar a relação de poder instaurado, o dizer de SP1, em defesa no sentido assim... ah: se... se eu não sei nem uma língua... como... não falo... nem entendo a língua portuguesa como é que eu vou comunicar com você... que eu vou me defender, traz a representação da L2, pelo sujeito-professor, como elemento essencial para que o branco não “trapaceie” com o índio. Há uma busca, via memória discursiva, do “período de escravidão” citado por Oliveira (1976), em que os Terena, por não terem terra suficiente para o sustento da família, foram levados a trabalhar nas fazendas; como falavam pouco a L2, a comunicação era dificultada e, sem ela, os indígenas eram sempre vítimas de subornos. O vocábulo você remete às vozes do branco: não importando a classe social a que pertença, o branco do ontem e o branco de hoje, ele é uma ameaça que só pode ser neutralizada pela igualdade da língua que se fala: a L2.
Vale problematizar, ainda, as sequências discursivas se eu não sei nenhuma língua e não falo... nem entendo a língua portuguesa, em que SP1 não se refere apenas à L2, mas a qualquer outra língua falada pelo branco. A recorrência da negação, materializada por nenhuma, não, nem, provoca, no discurso, um “despimento” do sujeito, que se apresenta como sinônimo de nada, de ninguém, posição que só é revertida no momento em que fala uma língua que o branco fala, como sentimento de igualdade e de completude. Compreendemos, então, que o imaginário social desse sujeito passa a ser habitado por autorrepresentações tanto positivas quanto negativas em relação ao outro/branco pelo falar da L2, constituindo o que postula Coracini (2003, p. 207): “certamente, por um desejo inconsciente de encontrar um lugar (quase) perfeito, mas também, por experiência dos outros mais do que por sua própria experiência; pela interpretação dos outros, pelas representações veiculadas pela mídia”.