Revista Rua


A televisão no espaço urbano brasileiro (ou dos processos de constituição de sentidos para a TV no Brasil)
Television in the brazilian urban space (or about the processes of meaning making for TV in Brazil)

Silmara Cristina Dela-Silva

A presença da televisão no Brasil é costumeiramente associada a uma imagem: a das antenas de TV que, em muitas situações, materializam o contraste entre a presença da mídia, sobretudo no cenário urbano, em meio a ausências sociais (como moradia adequada, por exemplo). Essa imagem é recorrente desde o final da década de 1970. O cineasta Cacá Diegues, no filme “Bye, bye, Brasil” (1979), já apresentava cenas em que se destacava a proliferação das antenas em pequenos vilarejos da Amazônia, como um indicativo de substituição de manifestações típicas da cultura popular, como a arte circense, pela chamada cultura de massa.
Naquela época, as transmissões televisivas estavam em fase de expansão para todo o território nacional, em uma medida que conciliava os desejos de crescimento comercial das novas empresas de comunicação e os interesses políticos do governo militar de assegurar a unidade do território nacional[1].
A imagem das antenas afirma sentidos diversos sobre a TV e sobre a relação das pessoas com as novas tecnologias. Algumas vezes, elas são tomadas como forma de evidenciar a penetração da TV, mesmo em locais distantes dos grandes centros urbanos; em outras, são mostradas como uma possibilidade de integrar a população de todo o país, e/ou ainda como sinônimo do acesso aos bens de consumo na sociedade brasileira.
Neste artigo, essa reflexão é trazida como forma de questionar o efeito de evidência desses sentidos, a sua naturalização. A questão que se coloca, inicialmente, é por que a imagem da antena é tomada como óbvia afirmação da presença da televisão e/ou da tecnologia no cenário brasileiro. A filiação aos pressupostos teóricos da análise do discurso, proposta por Pêcheux, na década de 1960[2], na França, e tal como desenvolvida no Brasil por Orlandi (2002, 2001, 1998, 1983), desde a década de 1980, e por diversos pesquisadores na atualidade, direciona para o sentido passível de ser outro, um efeito que se produz sob determinadas condições de produção (PÊCHEUX, 1997, 1997a, 1990). Esse posicionamento aponta para outro ponto de reflexão: como se constitui esse sentido da antena de TV significada como a presença da própria televisão no espaço urbano?
Para buscar compreender esse processo de produção de sentidos, um dos caminhos é o proposto neste artigo: pensar o discurso da imprensa de referência (IMBERT, 1992) sobre o aparecimento da televisão no Brasil e o modo como a imagem da antena na cena urbana brasileira participa dos processos de constituição de sentido


[1] Sobre as transformações econômicas e as mudanças na sociabilidade no Brasil, ver Mello e Novais (1998). Sobre a televisão no Brasil, ver Silva (2002).
[2] Neste artigo, são consideradas as traduções da obra de Michel Pêcheux, edições de 1997, 1997a e 1990.