Revista Rua


A televisão no espaço urbano brasileiro (ou dos processos de constituição de sentidos para a TV no Brasil)
Television in the brazilian urban space (or about the processes of meaning making for TV in Brazil)

Silmara Cristina Dela-Silva

(5) Como não existem aparelhos receptores nos lares dos paulistanos, os engenheiros da RCA Victor colocaram dois desses aparelhos no saguão do edifício dos “Diários Associados”, e transmitiram, lá para baixo, o programa do frei cantor, que estava decorrendo no terceiro andar do edifício. (O Cruzeiro, 12.08.1950. Grifos nossos.)
 
(6) Hoje, centenas e centenas de pessoas da capital bandeirante podem reivindicar para si a honra de terem sido, na América do Sul, as primeiras a conhecerem a televisão. (O Cruzeiro, 12.08.1950. Grifos nossos.)
 
Além de apontar a precariedade do projeto de inauguração da primeira emissora de TV no país, os recortes (5) e (6), que integram o verbal do texto jornalístico, encontram-se em processo polissêmico com o não-verbal, apresentado anteriormente, que faz ecoar o dizer da televisão como pertencente ao espaço urbano. A televisão, de fato, não está na cidade, exceto pela presença da antena que a representa e por algumas transmissões realizadas em um ponto restrito, no prédio do grupo proprietário da primeira emissora, assistidas por um grupo de pessoas que passava pelo local naquele momento.
A relação com o espaço urbano aponta também uma disparidade no dizer sobre a televisão; a cidade marca-se pelo perímetro urbano, uma região geográfica sob uma mesma administração. No caso da capital paulista, significada como a primeira cidade a assistir à televisão, cidade representa um aglomerado de pessoas, uma vez que não havia aparelhos receptores em toda a extensão da cidade. Além disso, as transmissões televisivas se dão pelo ar, sem um controle definitivo por barreiras geográficas, o que de fato permite que haja uma previsão do alcance das transmissões, mas não o seu domínio.
O silenciamento sobre a inacessibilidade da televisão, cujos sentidos emergem em momentos de ruptura, com o predomínio de processos polissêmicos no dizer sobre a televisão, também pode ser observado no contraste entre o sentido que se produz para o espaço urbano e os moradores da cidade que de fato têm acesso às transmissões televisivas. A formação imaginária dos telespectadores que possuem televisão na cidade de São Paulo confronta-se com o dizer sobre as “centenas e centenas de pessoas” que acompanharam as transmissões (aquelas que passaram pelo local em que se encontravam os aparelhos receptores), e a afirmação da TV como uma “realidade”, “ao alcance de qualquer um”, como mostra o recorte (7):