Revista Rua


A televisão no espaço urbano brasileiro (ou dos processos de constituição de sentidos para a TV no Brasil)
Television in the brazilian urban space (or about the processes of meaning making for TV in Brazil)

Silmara Cristina Dela-Silva

Constitutiva dos discursos, a relação entre paráfrase e polissemia, tal como formulada em Orlandi (1998), é a que permite “a fluidez dos sentidos”, por meio do jogo entre o mesmo e o diferente; da repetição do mesmo, no caso dos processos parafrásticos, e de rupturas, deslocamentos nos processos de significação, no caso dos processos polissêmicos. Nos termos de Orlandi (2001, p. 36): “é nesse jogo entre paráfrase e polissemia, entre o mesmo e o diferente, entre o já-dito e o a se dizer que os sujeitos e os sentidos se movimentam, fazem seus percursos, se significam”.
Pelo movimento entre paráfrase e polissemia, alguns sentidos são privilegiados e outros, silenciados, o que coloca a relação do dizer com o não-dito, seja porque é dito de outra forma, seja porque é silenciado, interditado. As formas do silêncio e o seu funcionamento no discurso são abordados em Orlandi (2002), que faz a distinção entre o silêncio fundador e a política do silêncio. Enquanto o silêncio fundador consiste em uma injunção do dizer, um mecanismo de produção dos sentidos, a política do silêncio representa a interdição de dizeres e de sentidos, o silenciamento.
No caso do discurso jornalístico sobre a televisão, o jogo entre paráfrase e polissemia permite compreender a relação entre o verbal e o não-verbal, que se produz entre os textos e as fotografias que compõem as reportagens na imprensa brasileira. Os discursos produzidos por meio desta relação, em que ora predomina a paráfrase e ora, a polissemia, constituem-se de forma a silenciar outros sentidos que, ainda assim, deixam marcas no dizer.
A relação entre televisão e cidade na imprensa pode ser observada em duas reportagens publicadas pela revista O Cruzeiro, uma publicação do grupo “Diários e Emissoras Associados”, responsável pela instalação das primeiras emissoras de televisão nas capitais São Paulo e Rio de Janeiro. As reportagens em questão, com os títulos “A televisão na América do Sul” e “A televisão para milhões”, tratam, respectivamente, da instalação das primeiras emissoras de televisão no Rio de Janeiro e em São Paulo. A revista O Cruzeiro, importante publicação jornalística à época, privilegia o dizer sobre a TV em suas páginas desde o ano de 1948, em seus diferentes espaços editoriais. A partir de 1950, esse dizer sobre a televisão ganha ainda mais espaço por meio das chamadas grandes reportagens[8], produções jornalísticas que caracterizariam a publicação[9].


[8] O conceito de grande reportagem em jornalismo é trabalho, dentre outros, de Kotscho (1986).
[9] A revista O Cruzeiro é considerada uma precursora dentre as publicações jornalísticas brasileiras por privilegiar o uso de imagens em suas páginas desde o seu lançamento, em 1928, em uma tendência que o jornalismo impresso de forma geral somente adotaria na década de 1960, devido à concorrência com os meios eletrônicos, em especial com a própria televisão. Sobre o fotojornalismo e a sua história, ver: ZANCHETTA JR. (2004) e BAHIA (1990).