Revista Rua


Diante da Lei.. aflição e aprisionamento ao processo
Before the Law... affliction and imprisonment to the process

Carme Regina Schons e Lucas Frederico Andrade de Paula

Percebemos desdobramentos nos quais é possível identificar o atravessamento da voz do outro, quando suprime o nome “cidadão” e, na ausência-presente, recupera em “por engano” a determinação dele como acusado. As relações de força são estabelecidas no âmbito do judiciário, onde o repetível reaparece na ordem da atualidade e na modalidade de reformulação e de correção, ou de negação de um “já-sabido”, uma vez que o funcionamento dessa materialidade linguística indicia tanto a contradição histórica quanto um anterior ao enunciado na matéria jornalística. Cabe dizer que é possível distinguir, na voz que ressoa, a ideia de que a justiça “nem sempre é justa” e que “tarda, mas não falha”. De posse dessa informação, juntamente com o atravessamento de outros saberes, presentes também na análise das Sds do primeiro recorte, podemos estabelecer um prisma interpretativo das relações de produção-reprodução-insubordinação, conforme Pêcheux (1995), entre o Estado e o homem comum.
O subtítulo da notícia (Sd7): “Homem que ficou 19 anos na cadeia teve enfarte após saber que receberia indenização do Estado”, embora funcione como explicação da sequência do título (Sd 6) sobre a situação de injustiça do judiciário em relação ao ex-mecânico, durante longos anos, remete a domínios interdiscursivos, como o da ordem do proverbial. Mesmo se tratando, contextualmente, de um caso particular, o da prisão injusta do ex-mecânico, a notícia assume uma dimensão genérica, atemporal. Parece-nos, entretanto, que existe uma equivalência semântica entre os enunciados tomados como sequências (Sd 6) e (Sd 7), pelo fato de ambos se referirem à premiação ao sujeito, porque houve uma falha (ou injustiça) na aplicação da pena.
A partir da perspectiva teórica, que não trata o texto como unidade fechada, mas sim como materialidade que se relaciona com outros textos (com a exterioridade do interdiscurso), podemos estabelecer uma conexão entre os saberes expostos neste segundo recorte – via materialidades linguísticas recortadas para análise -, e o primeiro já analisado. A sequência discursiva abaixo (Sd8) expõe os efeitos da justiça criminal sobre o corpo/sujeito, que sequer teve direito de defesa. Registramos:
 
Marcos Mariano penou mais 13 anos na cadeia sem que ninguém desse crédito à sua história. Contraiu tuberculose e ficou cego ao ser atingido por estilhaços de bomba de gás lacrimogêneo jogada pelo Batalhão de Choque da Polícia Militar, durante uma rebelião no Presídio Aníbal Bruno.
Um mutirão judiciário reconheceu a injustiça e ele foi solto em 1998, quando entrou com ação judicial contra o governo do Estado.