Revista Rua


Diante da Lei.. aflição e aprisionamento ao processo
Before the Law... affliction and imprisonment to the process

Carme Regina Schons e Lucas Frederico Andrade de Paula

Em decorrência disso, a Análise de Discurso busca, no entremeio de outras disciplinas, o ponto de equilíbrio para construir um aparato teórico que ilumine a reflexão diante da discursividade, presente na materialidade linguística pelo efeito de sentido. A partir disso, utilizamos o conceito de interdiscurso, configurado como o já dito. “Trata-se do que chamamos saber discursivo. É o já dito que constitui todo o dizer” (Orlandi, 2010). Consideramos que o conjunto de formações discursivas[3] constitui o interdiscurso, que, por sua vez, determina a formação discursiva. Resultado da inter-relação entre formação discursiva e interdiscurso. “O próprio da formação discursiva é dissimular na transparência do sentido, a objetividade material contraditória do interdiscurso que a determina” (idem, p. 18). Esta objetividade material possibilita dizer que todo já-dito remete a uma filiação de dizeres, a uma memória. É, pois, esta historicidade que constitui a memória discursiva e diz respeito a uma relação existente entre o que está sendo dito e o já enunciado em outro lugar, relação esta que se estabelece entre o interdiscurso e o intradiscurso. Assim, o interdiscurso é que sustenta o dizer, o qual se relaciona com uma multiplicidade de discursos. Essa heterogeneidade constitutiva do discurso não impede de os sentidos estarem em um espaço demarcado pelas possibilidades que a formação ideológica lhe concede, já que uma formação discursiva sofre coerções da formação ideológica em que está inserida, dentro de filiações de sentidos.
No presente artigo, essas considerações teóricas traçam o percurso até o discurso-transverso. Pêcheux (1988) afirma que “o funcionamento do ‘discurso-transverso’ remete àquilo que, classicamente, é designado por metonímia, enquanto relação da parte com o todo, da causa com o efeito, do sintoma com o que ele designa etc.” (p.153).
Espécie de “presença-ausente”, lembra Cazarin (2006), o discurso-transverso irrompe nos enunciados como se fosse de outro lugar, como se tivesse sido pensado anteriormente. Ele surge da memória do dizer e atravessa o interdiscurso como um elemento no enunciado do sujeito enunciador.  Cabe dizer, o deslizamento de sentido de um enunciado veicula o entendimento do sujeito no processo interpretativo do discurso. De acordo com a acima citada autora:


[3] Vale lembrar, conforme Indursky, que a ideologia não é idêntica a si mesma; já a formação discursiva, é idêntica e dividida ao mesmo tempo. Mesmo que, em seu domínio de saber, ela comporte a igualdade, ela também abriga a diferença e a divergência, resultando daí a contradição que impede a instauração da homogeneidade e da unicidade de saberes da formação discursiva (2000, p.75).