Revista Rua


Diante da Lei.. aflição e aprisionamento ao processo
Before the Law... affliction and imprisonment to the process

Carme Regina Schons e Lucas Frederico Andrade de Paula

O conjunto de enunciados que ressoa de um texto para o outro atualiza a significação e o gesto interpretativo. Podemos ler o camponês de Kafka no ex-mecânico que ficou preso 19 anos injustamente. A espera do camponês diante da porta da lei é a espera do cidadão injustiçado pelo Estado. A morte do camponês, depois de longos anos junto ao guarda, é a morte do ex-mecânico diante de sua indenização. Isso porque os sujeitos “não estão fora de interpretação e, por conseguinte, da história”, como lembra Cazarin (2006, p. 309).
A própria notícia com ênfase em tais enunciados demonstra um “já dito”. Os textos ecoam um no outro por meio do interdiscurso, que é atravessado pelo sujeito (ideológico) na história. A memória do dizer atravessa a própria informação que, como materialidade, apresenta o caso do ex-mecânico que, ao ficar 19 anos preso injustamente, representa todo homem comum (ou qualquer homem?) que pode ser vítima de um erro do Estado.
A estagnação do processo judiciário representa a espera do camponês de Kafka. Mesmo com o conhecimento total da lei sobre a inocência do sujeito, isso ainda não foi suficiente para o deixarem entrar.
 
De novo, a porta ...
O tema deste artigo é um estudo discursivo do conto literário de Franz Kafka, intitulado Diante da Lei. O objetivo central visa a descrever e a analisar o conto, a partir da Análise de Discurso de linha francesa, com o intuito de traçar um paralelo discursivo entre o gênero literário e uma notícia do jornal Estado de São Paulo (Estadão). Tal estudo nos permitiu gestos de interpretação sobre a relação entre os dois gêneros, visto que ambos se assentam sobre duas materialidades: a da história e a da língua.
Nossos gestos de leitura e interpretação nos conduziram para o recorte dos corpora, a fim de realizar um paralelo entre os saberes que ressoam nas duas materialidades escolhidas. O conto é identificado na notícia pelo conjunto de enunciados que funcionam no interdiscurso. O camponês de Kafka é configurado no ex-mecânico, preso injustamente por 19 anos, pelo gesto de interpretação que ecoa nos textos.