Revista Rua


Diante da Lei.. aflição e aprisionamento ao processo
Before the Law... affliction and imprisonment to the process

Carme Regina Schons e Lucas Frederico Andrade de Paula

uma injustiça, mas não resiste. Ele chega apenas a usufruir do tão cobiçado reconhecimento de sua inocência, visto que morre ao saber que receberia a segunda parte da indenização do Estado. Por quê? Talvez, por força do destino.
Para não esquecer, fica uma pergunta referente às vítimas da boate Kiss: Estariam também elas a cumprir seus destinos, quando se encontraram diante de uma única porta que, infelizmente, não se abriu? Elas estavam expostas às fragilidades do sistema, estavam diante de guardas que fecharam a única porta -  esse é o momento em que a porta (lei) falha. São breves minutos, mas a porta representa a interdição, só sai quem paga, premissa do capitalismo: "vai pagar vivo ou morto". Mas a porta não estava aberta. Mesmo que as vítimas ousassem burlar a proibição, não havia saída. Não houve para elas sequer a chance de enfrentar as dificuldades. Além do medo, na noite do incêndio, não sobrou nada, nem a chance de envelhecer para poder conferir se a justiça existe. Foi negado a elas o direito de resistência. No entanto, de seus pais, parentes, amigos e de outros sujeitos emanam vozes, todas trazendo à tona erros imperdoáveis que, ainda hoje, nos sucumbem.
O imaginário que se depreende do universo jurídico, juntamente com a inserção do personagem “camponês”, dos cidadãos “mecânico” e “jovens santa-marienses”, ganha o efeito interpretativo da estagnação, da espera, diante da contraditória engrenagem do Estado. Com a notícia sobre o ex-mecânico e com o criminoso incêndio, esse imaginário atualiza o conto kafkiano, configurando-se na realidade do sujeito diante da Lei. O sujeito, assujeitado pela língua e pelo simbólico, o sujeito que está diante da Lei, esperando longos anos para entrar, esperando longos anos para ser indenizado, não é só o sujeito que espera até a morte, mas aquele que morre diariamente diante do Estado.
 
Referências
 
ALTHUSSER, Louis. 1985. Aparelhos ideológicos de estado: Nota sobre os aparelhos ideológicos de estado. 3. ed. Rio de Janeiro: Graal.
CAZARIN, Ercília Ana. 2006. A Leitura: Uma prática discursiva. In: Linguagem em (Dis)curso - LemD, Tubarão, v. 6, n. 2, p. 299-313, mai./ago. 
FOUCAULT, Michel. 1979. Soberania e disciplina (1976). In: MACHADO, Roberto (Org.). Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal.