Revista Rua


Wikileaks: Discurso e confidencialidade em arquivos
Wikileaks: Discourse and confidentiality in files

Andressa Carvalho Silva-Oyama

As respostas a essas perguntas fazem perceber um lugar de significação no qual o sentido de clareza, de informação real, sem ‘máscaras’ busca estatuto de veracidade. Veracidade essa que não é somente informativa, mas também que leva a quebra do que seria, em termos de Orlandi, a retórica da dominação. Explicita-se um discurso que se pretende como ‘libertador’, como aquele que rompe o “recorte do dizer”, que se nomeia como rompendo “o silenciamento como forma de não calar, mas de fazer dizer ‘uma’ coisa, para não deixar dizer ‘outras’” (1993, p. 55). Pretensão que não ultrapassa os limites da própria ideologia, uma vez que se define em função do que é legal, do que é permitido ou não, do que deve ser ou não silenciado.
Essa pretensão também coloca em evidência as Formações Discursivas (FD) da mídia e da Wikileaks. A mídia possui uma relação com o Estado, de modo que, ainda que possa ser considerada como “crítica” ou mesmo “parcial” em alguns temas, não tem o objetivo de explicitar discursos sigilosos, “segredos de Estado”. Ora, no Brasil, há legislação sobre o sigilo e classificação de arquivos (Lei 8.159/1991 e Decreto 4.553/2002). Não é o intuito discutir sobre o caráter desses arquivos, mas sim salientar que há um ritual pré-estabelecido em relação a manter em confidencialidade tais documentos. Nesse ritual se insere a FD da mídia, uma vez que não se busca violar o que é protegido, sigiloso. Suas condições de produção discursiva, então, são o próprio Estado: a mídia fala nos limites “pré-estabelecidos” para um público também já legitimado pelo aparato Estado. Ou seja, há não-ditos que expõem o silenciamento que cerceia o limite desse discurso.
A FD da Wikileaks, no entanto, tem como objetivo justamente extravasar esse não-dito da FD da mídia e, por isso, versa em termos de confidencialidade vazada. Não é uma informação que vai em consonância com os interesses do Estado, mas também não se trata de explicitar o  silenciamento deste. Antes, o que se tem é o discurso que busca evidenciar não-ditos de modo a questionar ou a mesmo burlar os poderes e as relações consolidadas. Assim, estabelece-se uma relação que se pretende como “atemporal”, como “universal”, sem fronteiras. Não há o escopo no “que pode ou deve ser dito”, mas sim há o estabelecimento de uma esfera discursiva pautada em “dizer o que não pode ou não deve ser dito”. Ou seja, todo o discurso se pretende como independente do Estado e de seu cerceamento, no entanto, a própria definição do que pode ou não ser dito é constituída pelo Estado. A pretensão, então, estabelece-se num parâmetro no qual o Estado continua sendo o elemento de referência.