Revista Rua


Wikileaks: Discurso e confidencialidade em arquivos
Wikileaks: Discourse and confidentiality in files

Andressa Carvalho Silva-Oyama

Cabe ressaltar que, como afirmam Guilhaumou e Maldidier, o arquivo nunca é dado a priori. Isto quer dizer que uma leitura na qual se observam datas, nomes, etc. não seria suficiente. O arquivo, muito mais que simples referências “permite uma leitura que traz à tona dispositivos e configurações significantes” (1997, p. 164). O conceito pode ser aplicado também para a configuração sobre arquivo, enquanto material tecnológico, que, ao mesmo tempo em que - no caso dos documentos da Wikileaks – configura-se como sigiloso, confidencial, estabelece-se também como fugaz, perdendo-se na dimensão sem fronteiras do universo em rede, abrindo-se a um leque de interpretações. Como afirma Nunes:
 
o arquivo não é visto como um conjunto de "dados" objetivos dos quais estaria excluída a espessura histórica, mas como uma materialidade discursiva que traz as marcas da constituição dos sentidos. O material de arquivo está sujeito à interpretação e, mais do que isso, à confrontação entre diferentes formas de interpretação e, portanto, não corresponde a um espaço de "comprovação", onde se suporia uma interpretação unívoca.(2011, p. 2)
 
Por isso que, ao se defrontar com arquivos que deveriam não-comunicar, abre-se para a interpretação do sujeito-outro que, em tese, estaria barrado na comunicação, no lugar de interlocutor para efeito discursivo.
Além disso, para entender como o arquivo influi na “ordem social”, deve-se observá-lo, como menciona Nunes, como um espaço de polêmica, devendo as posições do sujeito serem consideradas na observação, mostrando-se a relação entre as interpretações, verificando-se os discursos aos quais se filiam. Para o autor, deve-se evidenciar “o movimento dos sentidos e dos sujeitos, no espaço tenso em que o real da interpretação pode tanto apaziguar quanto ameaçar”(idem). No presente caso, há a revelação de documentos sigilosos que são tidos como ameaçadores (dado que Assange foi descrito como “inimigo número um do Estado”[2], pelo fato de trazer à tona documentos que ‘deveriam’ permanecer não divulgados). Isso traz à mente a questão do silenciamento. Orlandi afirma que:
 
O silêncio instala um trabalho que incide justamente sobre o jogo da identidade social, em outras palavras, sobre a dimensão pública do cidadão: ele é responsável diante da lei. Em consequência, a relação entre o que ele diz e o que ele não diz concerne à ética e ao político (1993, p. 110).


[2] Revista Veja, dezembro de 2010.