Revista Rua


A máquina corretiva, ou como restituir aos moradores de rua à estrutura: dois modelos de transformação
The corrective machine, or how to restore the homeless people to the structure: two models of transformation

Carlos José Suárez G.

Eu lembro que, num momento, um autor diz que os meninos de rua têm a tendência a virar animais, ou seja, a serem mais instintivos, e eu compartilho de alguma forma isto. Acho que as pessoas que começam
 
a morar na rua desenvolvem este tipo de ações primárias e, então, os atos violentos se dão entre eles. Podem se matar por qualquer coisa [...]. Têm bairros onde as pessoas comem lixo[1]. (BARRIOS et alli, 2006, p.90).
 
Tais descrições trazem à memória as observações feitas por Gofmann sobre o estigma (1980), particularmente aquele caracterizado segundo o autor “pelas culpas individuais”, isto é, aquelas percebidas como vontade fraca, falsas crenças e desonestidade, normalmente inferidas a partir de relatos de vício, desemprego, homossexualismo e alcoolismo. Da mesma forma, ressalta a afirmação do autor de que os portadores de estigmas têm a tendência a ter as mesmas crenças sobre sua própria identidade do que “nós, os normais”. Por outra parte, assim como Goffman o descreve, tais pessoas estigmatizadas chegam a se aproximar agressivamente aos outros, suscitando respostas desagradáveis. Embora, às vezes, pareça que os mesmos moradores de rua aproveitam estrategicamente seus estigmas para obter dinheiro e comida, mediante a intimidação ostensiva provocada pela sua “fachada”. Uma narração do jornal El Tiempo pode ser esclarecedora:
 
a mediados del año pasado, los ñeros[2] también intentaron instalarse en el barrio Policarpa ubicado a unas diez cuadras al sur del Cartucho[3]. Al principio la gente les regalaba comida y ropa, pero se cogieron del codo y comenzaron a formar una ciudadela y a tratar mal a la gente, a cogerles la cola a las muchachas, a quitarles los 500 pesos del helado a los niños y a ofrecerles vicio a los muchachos de los colegios, dice un dirigente comunitario. (17 de fevereiro 2002).
 
O trabalho “Territorios de miedo en Santafé de Bogotá” (NIÑO et al., 1998) apresentava o morador de rua como “sujeito produtor de medo” entre os cidadãos de Bogotá. Neste livro aparecem descrições do seguinte teor: “com sua atitude dizem que vão roubar; têm o olhar e a aparência agressiva; tem o cabelo desgrenhado e sujo, suas roupas são molambentas; levam suas roupas cheias de sebo e o olhar perdido; deveriam


[1] “Yo recuerdo en este momento un autor que decía que los niños de calle tienen una tendencia a animalizarse, o sea, a ser más instintivos, y yo comparto en cierta parte eso. Pienso que la gente que empieza a vivir en la calle desarrolla ese tipo de acciones primarias y entonces los actos violentos se dan entre ellos. Se pueden matar por cualquier pendejada […] Existen barrios donde la gente come basura”.
[2] “Ñero” é uma das formas populares de se referir a moradores de rua e a indigentes.
[3] A “Calle del Cartucho” foi o habitat dos moradores de rua e local da delinqüência e da ilegalidade em Bogotá durante as décadas de 1980 e 1990. Referir-me-ei a ele mais para diante.