Revista Rua


Sujeito histórico e amor eterno: a significação da figura materna em músicas sertanejas
Historic subject and mother`s love: the meaning of the maternal figure in country songs

Maciel Francisco dos Santos e Telma Domingues da Silva

Esse recorte mostra o desejo do sujeito de estar junto da mãe. Essa vontade permanece mesmo na separação, por isso o discurso se volta para o passado, fazendo com que o sujeito recorde os momentos vividos com a mãe no tempo em que ela estava junto dele.
O verso “e o olhar de minha mãe na porta” do recorte acima merece uma atenção especial, pelo modo específico de significar a separação do filho em relação à sua mãe e, ao mesmo tempo, o amor que os une. É através de uma metonímia que o filho diz sobre o momento de despedida/ de separação. Dizer que deixa o olhar da mãe na porta é dizer que deixa a mãe na porta, mas é também mais do que isso. Não se disse dos braços ou do colo, partes também significativas de um corpo da mãe, mas do olhar, dos olhos, dos quais dizemos serem o espelho da alma.
Esse sintagma mostra mais uma vez a subjetivação do locutor sertanejo, que afirma o seu próprio olhar, através do olhar da mãe. A plasticidade da materialidade linguística que constitui o verso produz efeitos de sentido que significam a relação entre mãe e filho em sua intensidade. Verifica-se, com essa estrutura sintática, a produção de uma intercambialidade entre o sujeito e o objeto do “olhar” e do “deixar”, nos efeitos de sentido que significam simultaneamente o amor de filho e o amor de mãe. Assim, o verso que marca o momento da despedida, mostra o sujeito filho constituindo-se através do olhar (d)a mãe: o falar dela é falar de si mesmo.
A remissão à “porta” também é bastante significativa nesse verso, ela marca o ponto de despedida, estabelecendo uma divisão entre os dois espaços simbólicos do locutor sertanejo: o seu lugar de origem (o campo, pequena cidade do interior), seu lar familiar, que figura no enunciado como o passado; e o lugar de destino, menos familiar ou desconhecido (grande cidade), e que já se configura como o presente do enunciado, o lugar da enunciação.
A presença da mãe na porta mostra mais uma vez a descrição, por parte do filho, de uma mãe dedicada, que quer estar sempre presente, ela não pode ir com ele, mas vai até onde pode, no limite, que é porta. Não podendo estar fisicamente junto do filho, só resta à mãe acompanhá-lo no pensamento, rezar por ele, pedir a Deus proteção e abençoá-lo: esse discurso amoroso é atravessado também por uma discursividade de caráter religioso.