Revista Rua


Sujeito histórico e amor eterno: a significação da figura materna em músicas sertanejas
Historic subject and mother`s love: the meaning of the maternal figure in country songs

Maciel Francisco dos Santos e Telma Domingues da Silva

As marcas de um discurso caipira
A variante linguística que, nas canções analisadas, evidencia a identidade caipira, encontra-se fortemente presente nas duas canções mais antigas do corpus[3], que são da década de 60 e 70. Esse locutor sertanejo fala a partir de uma linguagem que, de uma perspectiva urbana, seria caracterizada por “desvios gramaticais” como a troca do L pelo R, como observamos em “farta”, redução de ditongo (“lutô”), eliminação de redundância do plural (“seus filho cresce”) entre outros. Vejamos alguns trechos:
 
“Minha mãe, como faz farta tua vida em meu vivê”
 
“Que lutô tanto e por nós sofreu calada
Mas é bem poucos que sabe reconhecê”
 
Além da variante linguística empregada, podemos observar outras marcas de um discurso caipira, como a remissão ao interior (pequena cidade):
 
“E sempre ao lado do meu pai
Da pequena cidade ela jamais saiu”
 
A permanência da mãe em sua pequena cidade mostra uma grande característica caipira: o amor pela terra, pelo seu lugar de origem, o qual o caipira não costuma abandonar, a não ser que as circunstâncias o obriguem.
A ocorrência do dialeto caipira nas canções mais antigas pode, em parte, indicar um processo cronológico em que a música sertaneja passa a se urbanizar, deslocando-se dessa forte marca de significação do sujeito rural, que é a “fala caipira”. Consideramos, porém, no presente trabalho, que as canções sertanejas abrangem a divisão entre sertanejo moderno e sertanejo raiz, divisão em que se pode conceber modos diferentes de expressão de um locutor sertanejo. Na realidade, trata-se de perceber aí a possibilidade de um determinado sujeito, na produção poética, de se identificar ou não pela “origem popular”, através de uma fala marcada como tal (não escolarizada).

Essa questão do deslocamento do sujeito caipira de sua terra de origem (tema muito abordado em músicas sertanejas), bem como a questão da língua empregada, tem, portanto, uma relação estreita com a urbanização do país. A distinção entre rural e urbano, enquanto dois espaços contrastantes, distantes, é uma questão que toca



[3] As letras dessas canções foram transcritas de acordo com a linguagem empregada pelos artistas que as interpretam, observando as gravações mencionadas na quarta nota de rodapé.