Revista Rua


Imagens da/na contemporaneidade: um convite à análise, uma convocação à teoria
Images of/in the contemporaneity: an invitation to analysis, a convocation to theory

Rejane Arce Vargas, Caciane Souza de Medeiros, Maurício Beck

É pertinente ressaltar, enquanto efeito de sentido, a visibilidade que as comunidades indígenas ganham, sobretudo as crianças indígenas. Esse foco imagético nos infantes zapatistas não deixa de ter determinações que remetem às condições que levaram à revolta armada zapatista em 1º de janeiro de 1994 contra o governo mexicano: a decisão das assembleias de camponeses indígenas chiapanecos, base de apoio e liderança política do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), de sair da clandestinidade e passar ao enfrentamento bélico foi, em grande parte, motivada pela alta mortalidade infantil entre os ameríndios do estado mexicano de Chiapas. Mortalidade causada por doenças curáveis, caso o governo mexicano investisse em saúde pública na região da Selva Lacandona. Essas condições de insalubridade infantil são mencionadas por Marcos na narrativa que este faz da história do EZLN, durante o discurso, na ocasião em que as crianças foram fotografadas.
Por outro lado, a presença de crianças para ouvir um discurso do subcomandante Marcos não é de todo inusitada: Marcos é conhecido também como narrador de histórias infantis (como A história das cores, 2003), em que retoma a mitologia indígena chiapaneca para dar expressão ao imaginário infantil indígena contemporâneo e, ao mesmo tempo, tratar de questões políticas em um discurso lúdico e ilustrativo (fábulas).
A imagem dos índios mascarados ou “sem rosto”, difundida pelas mídias corporativas e alternativas do mundo todo, paradoxalmente, mostra semblantes de celebridades anônimas, na chamada Sociedade do Espetáculo.
Este é o modo contraditório pelo qual o invisível se faz visível, uma vez que, o ritual zapatista de encobrir o rosto remete à condição de não lugar, de invisibilidade política e socioeconômica dos indígenas campesinos no sudeste mexicano, e à condição de somente poder ocupar um lugar por intermédio do apoio de um exército insurgente e clandestino (o Exército Zapatista de Libertação Nacional). No caso em questão, o tornar-se visível se dá coletiva e anonimamente, na inversão da política de individuação dos sujeitos pelo Estado (cf. ORLANDI, 2004), na medida em que se trata de um grupo mascarado, com identidade civil dissimulada, visibilizado de modo espetacularizado e contraditório.
Ao deslocar as fronteiras entre o visível e o invisível, as imagens dos zapatistas mascarados atualizam o espectro do irrealizado político na América Latina deste início de século. O espectro de outro mundo (onde caibam muitos mundos), ao assombrar e questionar os efeitos de evidência da ideologia dominante pode vir a deslocar nosso