Revista Rua


Imagens da/na contemporaneidade: um convite à análise, uma convocação à teoria
Images of/in the contemporaneity: an invitation to analysis, a convocation to theory

Rejane Arce Vargas, Caciane Souza de Medeiros, Maurício Beck

reprodução/transformação, levando-se em conta que esta se concretiza por meio da prática do olhar?
Não se pode perder de vista a compreensão de que o imagético está inelutavelmente intrincado à linguagem, ao discurso e, por conseguinte, ao processo material de produção de sentidos. Dito isto, podemos ressaltar uma especificidade do imagético: ser afetado pelas práticas, pelos rituais e pela memória do olhar.
Pensar a memória do olhar nos leva a remontar a investigações em torno do caráter espectral na relação entre a produção de sentidos e a instância ideológica (cf. PÊCHEUX, 1990 [1980]). Tal relação aponta para uma série de antinomias (dialéticas) que articulam imagético e histórico. Visível/invisível; realizado/irrealizado; existente/ alhures, presente/modalidades de ausência remetem a visões fantasmáticas, ilusões e fronteiras historicamente deslocáveis por efeito de acontecimentos históricos e/ou discursivos.[8]
É, sobretudo, o deslocamento de fronteiras entre o visível e o invisível e suas incidências ideológicas que nos chamam a atenção. Os deslocamentos dessas fronteiras, “onde o real vem se afrontar com o imaginário” (Id., p. 8), capazes de suscitar a tentação de uma análise espectral de revoluções, com suas colorações e suas irradiações de bordas invisíveis, são fenômenos que tocam os sentidos da visão. Entretanto, não se postula aqui tratar a imagem como “coisa” concreta, mas como objeto da ordem do imaginário, da antinomia entre visível e invisível e suas implicações ideológicas.[9] Assim, o efeito de evidência que uma imagem acarreta pode ser remetido ao que é visível a “todos”, como algoclaro e distinto. De outro lado, o invisível funcionaria de modo ideológico possibilitando, por exemplo, o exercício do poder de modo mais eficaz (Id., p. 12).


[8] Em nossa leitura, um acontecimento histórico remete a um evento histórico que se inscreve no interdiscurso (as repetibilidades, o já dito) e se torna passível de voltar, de ser rememorado. Um acontecimento discursivo, além de ser um acontecimento histórico, instaura algo que foge à repetibilidade, movimenta o dizer e a história para instituir algo “novo” (a ideia de revolução e de novas discursividades/subjetividades incidem nesse espaço).
[9] Na compreensão de Pêcheux (1990 [1980]), a relação antitética entre visível e invisível é afetada pela estrutura das formas linguísticas articuladas à instância ideológica. Nossa proposta é tratar essa antítese e seus limiares tendo em vista a prática do olhar - não o olhar dotado de intencionalidade, mas este compreendido como uma prática material (em sentido althusseriano estrito), regulada e “direcionada” ideologicamente. Por outro lado, as fronteiras móveis e elásticas, visíveis ou invisíveis que remetem aos antagonismos sociais são entendidas em sua relação com o limiar daquilo que se dá a ver (evidência) com aquilo que não pode ser percebido de imediato em dadas condições de produção. No intuito de mobilizar ferramentas analíticas apropriadas, embora tenhamos em conta que o espectral em Pêcheux tem dimensões que abrangem o modo de funcionamento do imaginário e do simbólico de uma formação social em confronto com seu real histórico, neste artigo, enfocamos as noções de visível/invisível no que concerne ao imagético em sua concretude material.