Revista Rua


Jornal e poesia: o Alencar espelhado no discurso da língua
Newspaper and poetry: the Alencar mirrored in the speech of language

Atilio Catosso Salles

mesmas[3], na qual o locutor procura um sentido para determinada palavra, a partir da exclusão de outros sentidos possíveis. Essa representação do dizer consagra o sistema linguístico de unidades distintas, e testemunha o encontro dos enunciadores com o equívoco, segundo Authier-Revuz (1998, p. 25) em quatro esferas: “(1) respostas de fixação de um sentido; (2) figuras do dizer alterado pelo encontro com o não-um; (3) o sentido estendido no não-um; (4) o dizer reafirmado pelo não-um”.
Nessa não coincidência, a autora parte das considerações de Lacan sobre o equívoco da homonímia, que está estreitamente relacionado ao dizer das glosas, das quais decorrem os efeitos de polissemia, homonímia e/ou trocadilhos.
Vejamos o funcionamento das glosas, na homenagem feita a Alencar, no jornal A Opinião (1878, ano I):
 
                         (PEÇANHA, 1878 - ano I)[4]
 
Peçanha, no gesto de homenagear Alencar, produz um discurso que matiza modalidades irrealizantes de dizer, ou seja, produz, pelas glosas de sentido, um jogo que evoca sempre um sentido a mais, irrealizável sobre a palavra na cadeia significante da língua.


[3] A terceira das não coincidências do dizer – a das palavras em relação às coisas – trata-se de formas que deslocam hesitações, buscas e dúvidas sobre o tempo a ser empregado, possibilitando o rompimento da relação biunívoca ilusória entre as palavras e as coisas, o que traduz a impossibilidade de capturar o objeto referido apenas pela letra.
[4] Entre as joias preciosas do rico thesouro com que José de Alencar, ennobrecendo a patria, immortalisou seu nome, se admiro sempre a grandeza de seu talento, a seiva inesgotavel de suas inspirações, e o vasto cabedal de conhecimentos que tanto realçavam suas obras, a que mais me encantou foi o primoroso mimo de sua imaginação de poeta, intitulado Sonhos de Ouro. Não terá porventura o merito intrinseco de muitas de suas outras produçções, não revelará como nestas o estudo e a meditação, mas nenhuma deleita mais o espirito, porque nenhuma seguramente a excede na belleza da forma, na naturalidade do entrecho, e, mais que tudo, na pureza e elevação do sentimento. Nos Sonhos de Ouro é protagonista o coração em toda gala e esplendor de seus primeiros impulsos e percorrendo embevecido a escala esperançosa das emoções electricas do amor. Os Sonhos de Ouro, ainda uma vez o digo, são o transumpto perfeito da alma de José de Alencar. (J.P de Azevedo Peçanha).