Revista Rua


Jornal e poesia: o Alencar espelhado no discurso da língua
Newspaper and poetry: the Alencar mirrored in the speech of language

Atilio Catosso Salles

Nesse sentido, Franco, o articulista, brinca com uma possível “supressão de um discurso primeiro, o do séc. I a.C., para, em um segundo momento discursivo, em tom de reminiscência, jogar com o espaço do ‘outro’, o interlocutor, evidenciando, desse modo, o efeito deste dizer, a partir de um funcionamento discursivo do século XIX, visto que a proposição, após as reticências, encontra-se em itálico. Configura-se, assim, o enunciado enquanto uma não coincidência interlocutiva, dada por uma possibilidade própria da língua, por sua memória.
Essa memória de uma língua outra, de um sujeito coletivo do século I a.C, apresenta-se como um arquivo da memória de outra língua na própria língua, a do XIX, trazendo, assim, para as cenas enunciativas a memória de uma alteridade constitutiva do sujeito brasileiro escritor. Neste sentido, compreendemos o funcionamento da língua como “lugar de memória”, e ainda mais, como lugar significativo de reconhecimento da memória.
Desse modo asseveramos: a dobra de mundos, sujeitos e sentidos produzindo ficção é um funcionamento próprio da língua, pois o sujeito não tem sempre um lócus de filiação, ele é determinado sócio historicamente e afetado pelo inconsciente. Não há dizeres preenchidos, conforme já propomos, e pré determinados, afinal nenhuma língua pode ser pensada completamente sem a possibilidade de ficção e representação pela dobra.
De algum modo, coser considerações sobre a estreita tensão entre o já-dito e o ainda por dizer, na história dos sentidos de um língua, oferece-nos abertura para pensar o intenso jogo entre o sedimentado e o a realizar-se, num espaço histórico em que, a partir de um ponto de articulação, o real, o simbólico, o sujeito e os sentidos escorregam por caminhos porosos, deslocando e repetindo, no corpo da linguagem, as possibilidades e/ou modos de subjetivação.
Alguns consideram o já-dito enquanto um fechamento dos sentidos, pois este, em certa medida, delimita, imobiliza. Entretanto, podemos pensar, com Orlandi (2009, p. 9), “[...] que aquilo que se diz, uma vez dito, vira coisa no mundo: ganha espessura, faz história”. Desse modo, apontar para o estabelecimento do não-estabelecido e questionar a consciência hegemônica (o sentimento) dessas distinções no homem de linguagem, fornece fôlego para a nossa concepção de trabalho, qual seja, a língua pensada por uma teoria materialista de linguagem. Também, a questão da memória se mostra sensível quando, sobretudo, “[...] ela opera sob a forma da evidência dos sentidos, aparecendo [...] nas suas falhas” (PAYER, 2009, p. 42).