Revista Rua


Jornal e poesia: o Alencar espelhado no discurso da língua
Newspaper and poetry: the Alencar mirrored in the speech of language

Atilio Catosso Salles

Apresentamos novamente, que pensamos os sentidos enquanto espaço de “[...] multiplicidade, da largueza, mas também da truncação” (ORLANDI, 1990, p. 43), espaço de emaranhamento dos dizeres possíveis de um já lá da memória da língua.
Ao lermos os dois enunciados, podemos compreender que a alteridade que atravessa o fio discursivo, designa o Outro no próprio ato de enunciação. A esse fenômeno, denomina-se heterogeneidade mostrada marcada ou não marcada.
Authier-Revuz (1990) discute que a heterogeneidade mostrada e marcada se dá no momento em que o Outro explicitamente é notado, através das aspas, das glosas, do itálico, etc. Caso não haja nenhum indício explícito na materialidade da língua, temos a heterogeneidade mostrada, porém não marcada. Nestas situações a heterogeneidade apresenta-se apenas como efeito de um dito que se articula a um não dito, possível na reminiscência, na imitação, na alusão, etc.
No primeiro recorte, o comentário inicial dá visibilidade ao lugar discursivo no qual o enunciador do texto se põe a falar sobre Alencar: “Era uma gloria do paiz esse imaginoso escriptor, e eu gostava delle porque era meu collega e além disto – porque era meu patrício”. É interessante também observar que o enunciado encontrado entre aspas foi especificado por uma glosa, utilizada pelo próprio articulista. Na glosa – “Vão-se todos os homens de talentos. Agora este, que escreveu tantos e tão bellos livros” – constitui-se o espaço do ‘outro’, o interlocutor, tornando visível, com isso, o efeito de que todo o restante do dizer lhe é particular, original, afinal Alencar foi considerado, pelo próprio articulista, seu “patrício”. Esse funcionamento discursivo mostra a distância existente entre os posicionamentos discursivos do articulista e do seu interlocutor, o que configura uma não coincidência interlocutiva. As aspas materializam, assim, o contato do sujeito com o seu outro, pois delimitam o espaço que essa outra voz poderia ocupar, produzindo o efeito de unidade no ato discursivo.                                                                                      
No segundo enunciado, essa não coincidência interlocutiva mostrada de modo não marcado, se mostra quando Oliveira faz alusão às palavras de Victor Hugo(1802-1885): “Para recebel-o não bastava o tumulo – o abysmo mais profundo – na frase de Hugo”. O efeito de unidade, nesta segunda citação, é sinalizado pela distância que o articulista tenta impor, ao atribuir o sentido pelo discurso do outro, especificando assim, uma não coincidência no fio discursivo.