Revista Rua


Jornal e poesia: o Alencar espelhado no discurso da língua
Newspaper and poetry: the Alencar mirrored in the speech of language

Atilio Catosso Salles

não está fora da linguagem, não é algo restrito a um conjunto de efeitos especiais a ser usado em determinadas ocasiões. Ao contrário, pode-se conceber como uma propriedade da ordem da língua essa capacidade de deslizamento do poético”.
Em Gadet & Pêcheux (2004) a poesia flui, no fio discursivo da língua, como efeitos especiais estruturantes de deslizamentos próprios a seus processos de significação:
 
Diante das teorias que isolam o poético do conjunto da linguagem, como lugar de efeitos especiais, o trabalho de Saussure [o dos anagramas] (tal como ele é, por exemplo, comentado por Starobinski) faz do poético um deslizamento inerente a toda linguagem: o que Saussure estabeleceu não é uma propriedade do verso saturnino, nem mesmo da poesia, mas uma propriedade da própria língua. O poeta seria apenas aquele que consegue levar essa propriedade da linguagem a seus últimos limites; ele é, segundo a palavra de Baudrillard, suprimindo a sua acidez, um “acelerador de partículas da linguagem”. 
 
 
A língua, pensada pela teoria materialista da linguagem tem sua ordem própria, apesar de ser “sujeita a falha”, a deslizamentos, a rupturas, a buracos próprios em sua rede significante por onde incide a metáfora, o efeito poético. Os sentidos assim não podem ser domesticados, afinal, não há univocidade e transparência de linguagem, de palavras, e, por conseguinte de sentidos. O que há é deriva de sujeitos/sentidos/mundos no espaço mesmo de uma língua inatingível, cuja possibilidade de produção do poético se faz. Desse modo, os processos de subjetivação se dão em espaços de não filiação e de incompletude, assim “[...] nada da poesia é estranho à língua. [...] nenhuma língua pode ser pensada completamente se aí não se integra a possibilidade de sua poesia” (PÊCHEUX, 1990, p. 51). O poético, portanto, não está fora da linguagem e só podemos pensar na língua a partir do momento em que se abre a possibilidade da poesia, da criação, movimentos de transgressão e de instauração de um devir.
Authier-Revuz (1998), como já dissemos, aponta o duplo da heterogeneidade dos sentidos da língua, sob a denominação de quatro não coincidências do dizer, das quais duas delas já foram expostas em nosso percurso de estudo: não coincidência interlocutiva entre o enunciador e o destinatário e a não coincidência do discurso com ele mesmo.
No estudo da autora, incluem-se ainda as não coincidências que ocorrem entre as palavras e as coisas e as das palavras com elas mesmas. Assim, para compor nosso trajeto de leitura, recorto ainda a quarta das não coincidências – a das palavras com elas