Revista Rua


Espaços urbanos como arenas de (trans)formações identitárias na literatura contemporânea
Urban spaces as arenas of identity (trans)formations in contemporary literature

Ricardo Sobreira

estabilizado, que mais tarde seria teorizado pelos filósofos iluministas. Os subsídios teóricos de Hall, por exemplo, provêm de posições filosóficas como as de Locke. Segundo o iluminista inglês, o que define a identidade do sujeito humano é sua consciência reflexiva, isto é, o conjunto das faculdades responsáveis por relacionar ações, percepções e experiências passadas e presentes em um todo consistente. No Ensaio acerca do Entendimento Humano (1690), Locke expõe essas ideias da seguinte maneira:
 
Uma vez que a consciência sempre acompanha o pensamento; e, por meio disso, distingue-se [o sujeito humano] de todos os outros entes pensantes, nisto apenas consiste a identidade pessoal, isto é, a uniformidade de um ser racional: e tanto quanto esta consciência pode ser estendida de maneira retroativa a qualquer ação de pensamento passada, tanto alcança a identidade da pessoa; trata-se da mesma personalidade agora tal como era então (1959, p.449, grifo nosso).
 
Em síntese, esse sujeito projetado pelas ideias iluministas, também chamado de “sujeito monádico”, caracteriza-se como um núcleo uniforme e autossuficiente cuja formação se dá antes pela conformidade dos processos mentais dentro da consciência (vista aqui como entidade reificada) do que pela interação — isto é, consciência como processo — com elementos da realidade exterior. Conforme sintetiza Docherty (1993), esse sujeito do Iluminismo estaria “reduzido à participação ou confirmação de seus próprios processos racionais em vez de comprometer-se em participar da alteridade material de um mundo objetivo” (p.8).
(ii) O relativo declínio dessas instituições, fato que marca a modernidade e que se reflete na própria dinâmica dos espaços urbanos, dá origem a indícios de ruptura na própria trama de algumas sociedades. Surge entre os indivíduos uma tendência a examinar e a reformular os valores e comportamentos recorrentes do passado associados a essas instituições tradicionais em face do apelo livre de outras forças concorrentes e discursos competitivos forjados na conjuntura socioeconômica moderna.
Nesse contexto de grande complexidade, Hall distingue o desenvolvimento da noção de um novo sujeito moderno, o chamado “sujeito sociológico”, constituído a partir da consciência de que o núcleo interno do sujeito não é mais autônomo, como ocorria no sujeito do Iluminismo ou cartesiano, mas é formado em relação a outros sujeitos significativos, responsáveis por mediar os valores, símbolos e sentidos ao sujeito sociológico (HALL, 1992, p.276). Esse processo se daria como se “quem eu sou — o ‘verdadeiro’ eu — fosse formado em relação a todo um conjunto de outras narrativas” (HALL, 1987, p.44). Por essa razão, a identidade é (trans)formada a partir