Revista Rua


Espaços urbanos como arenas de (trans)formações identitárias na literatura contemporânea
Urban spaces as arenas of identity (trans)formations in contemporary literature

Ricardo Sobreira

obsoletos os estilos de vida das famílias rurais dessa região com uma rapidez vertiginosa (DeROSE, 1992, p.94). Dessa forma, o conto de Shepard mobiliza uma série de imagens que sugerem a perda de contato da figura romântica do homem natural com a natureza selvagem e a transformação deste sujeito em um eu deslocado, em crise com sua identidade e carente de referências sólidas de localização e de identificação.
A perda de elos consistentes com a terra no sentido histórico tradicional também motiva, em vários textos de Great Dream of Heaven, a desagregação dos vínculos sociais e familiares, levando sucessivas gerações, sobretudo individuos do sexo masculino, a desenvolverem comportamentos antissociais e a buscarem total isolamento.
Observadas as devidas proporções, podemos afirmar que as complexidades do sujeito humano e a possibilidade deste, com relativa frequência, trocar de identidades tem sido uma preocupação de Sam Shepard desde seus primeiros textos (McGHEE, 1993, p.169-170; SHEWEY, 1997, p.45). A peça True West trata das rivalidades entre dois irmãos que, a certa altura, trocam de identidades, profissões e vícios. Esse intercâmbio de posições de sujeito resulta em crises de identidade e frustrações, que os levam afinal a tentar assumir a identidade do pai ausente.
Situação semelhante acomete várias personagens da peça Simpatico: o fracassado Vincent “Vinnie” T. Webb “rouba” a identidade de seu ex-sócio e comparsa Lyle Carter com a finalidade de vender fotografias comprometedoras a Darrel P. Simms, um terceiro envolvido em suas trapaças do passado. Ao visitá-lo, Vinnie encontra esse obscuro sujeito já em posse de um novo nome (Ryan Ames) e empresa, em torno da qual forjou uma identidade completamente nova. Durante o confronto final de Vinnie com Simms (que finge ser Ames), este último indaga: “Quantas vidas o senhor acha que um homem pode viver, Sr. Webb? Quantas vidas dentro desta mesma vida?” (SHEPARD, 1996, p.61, grifo nosso).A julgar por esses e outros textos do autor, as identidades (ou diferentes “vidas” dentro de uma única vida) são, portanto, temporárias, flexíveis e tendem a acompanhar a extrema mutabilidade e volatilidade dos sujeitos ficcionais, conforme veremos na análise de um conto do livro Great Dream of Heaven.
No que segue, examinamos manifestações estilizadas dessas três concepções de subjetividade (sujeito do Iluminismo, sujeito sociológico e sujeito pós-moderno) no conto “Coalinga 1/2 Way”. A proposta de análise baseia-se no método adotado por Aronowitz (1995), que “monitora” o impacto exercido por diferentes perspectivas