Revista Rua


Espaços urbanos como arenas de (trans)formações identitárias na literatura contemporânea
Urban spaces as arenas of identity (trans)formations in contemporary literature

Ricardo Sobreira

e filho para juntar-se a uma outra mulher, também casada. Tendo em vista o fato de que o protagonista faz uma pausa na cidade mencionada no título do conto com a finalidade de telefonar para a mulher e só então avisá-la de que a está deixando, percebemos que a ideia de abandoná-la partiu de uma decisão irrefletida e, conforme ele descobrirá mais tarde, precipitada. O local escolhido por ele para contatar a esposa é saturado de imagens disfóricas que prenunciam o cenário urbano: uma cabine telefônica à beira do acostamento poluído, ladeada por um enorme campo de confinamento de gado de onde se avista todo o vale San Joaquin sob o sol escaldante.
O diálogo com a esposa tem um tom seco, quase trágico, pois o protagonista não tem respostas quando ela indaga-lhe os motivos do fim de um casamento de mais de quinze anos. Como é típico das figuras masculinas em Shepard, essa personagem parece incapaz de articular sentimentos e emoções em sua fala, que é marcada por reticências e hesitações incômodas. A mulher pede-lhe que volte, mas ele lhe diz que já viajou demais para retornar. Ela então se propõe a viajar metade do caminho e, em um último esforço de reconciliação, pede-lhe que também retorne a outra metade. Dessa maneira, os dois poderiam se encontrar em algum ponto do caminho, provavelmente no município de Gilroy. Em termos metafóricos, adentrar o perímetro urbano de Gilroy representaria o fato de que ambos poderiam encontrar um meio-termo satisfatório e diminuir a distância — não apenas geográfica, mas também afetiva — existente entre eles. Contudo, dada a incompatibilidade irreconciliável dos elementos masculino e feminino no horizonte da poética de Shepard (cf. MURPHY, 2002, p.136), o homem recusa-se a tentar encontrar-se com a mulher no meio do caminho.
Após uma breve discussão sobre qual dos pais deve comunicar a separação ao filho do casal, o homem encerra o diálogo com a antiga companheira, que lhe faz a ominosa pergunta: “para onde eu devo ir?”. Ele então retoma a viagem e chega a Los Angeles à noite. Durante o percurso até o hotel o protagonista é “bombardeado” por estranhas imagens da cosmópole pós-moderna: astros e estrelas do cinema em cenas de explosão ou simulações de orgasmos em painéis e outdoors espalhados pelo trajeto; limusines com vidros escuros; adolescentes com piercings sendo revistadas na entrada das boates; pessoas sozinhas e drogadas. O homem hospeda-se no hotel Tropicana “sem bagagem, nem escova de dentes, nem uma troca de roupa de baixo” (p.17). O quarto tem cheiro ruim e oferece apenas uma cama e um telefone, que ele usa para entrar em contato com a outra mulher, com quem manteve uma relação pouco explicada durante dois anos. Na verdade, o texto não esclarece se o protagonista teve algum outro contato