Revista Rua


Aprendizagens da cidade: corporeidades em intervenções urbanas
Learning City: corporealities in urban interventions

Juliana Soares Bom-Tempo

contínua propiciada pelo ritmo dançado. Assim, a relação tempo-espacial do corpo, como dança, não é mais o palco, mas o seu próprio corpo que se prolonga e transporta seus membros para o infinito. O corpo que dança abre fendas, buracos, brechas, vinculadas ao lado de fora, criando uma abertura no corpo-espaço-tempo que tende ao infinito.
Gil faz ainda referência ao repouso para falar do movimento, dizendo que o repouso seria apenas uma macropercepção e que quando nos atemos ao micro tudo é movimento. Assim, é possível relacionar o repouso ao que Cunningham, outro pensador do corpo e da dança, chama de “o silêncio”. Nesse ponto, Gil (2005) tangencia o lócus de onde emerge a forma artística. Na concepção de Cunningham, o corpo do bailarino deve estar em silêncio, deve estar suspenso todo o movimento para criar intensidade e produzir outro movimento, com a máxima concentração de energia, de forças não-codificadas, possibilitando um leque super-esticado de criações inéditas de formas para escorrerem “nos fluxos corporais” (GIL, 2005, p. 16).
Neste fluxo, é preciso desautomatizar o corpo, desmaterializar as configurações posturais, musculares, articulares, de tempo e de espaço, em um movimento de libertação do corpo, compondo um novo corpo. Não mais um corpo mecânico ou biológico, mas o “inconsciente do corpo tornando-se consciência do corpo (e não consciência de si ou consciência reflexiva de um ‘eu’)” (idem, p. 25).
Em outro texto, intitulado Abrir o Corpo, Gilcontribui muito para essa reflexão. Coloca que, primeiramente, precisamos destituir a idéia de corpo como uma “unidade psicofísica”, como foi definido por Husserl; não há nesse sentido um ser uno com um elemento psíquico que se une de forma harmônica ao somático. Ao invés dessa concepção, o autor coloca que o homem é um “ser de consciência e inconsciência”. Por consciência do corpo, é possível entender não como as sensações e suas localidades no corpo, mas como um elemento de paradoxos relacionado diretamente com o corpo. A consciência entra em estados de íntima relação e osmose com o corpóreo, mas também pode afastar-se dele tornando um estrangeiro, a ponto de entrar em estado de ruptura. Mesmo nessa relação paradoxal, tal fragmentação nunca é completa, sempre há uma vinculação residual, inconsciente, que faz com que aquela consciência saiba que é daquele corpo e não de outro. Consciência do corpo nesse sentido seria o avesso da consciência como intencionalidade da fenomenologia. Não temos consciência de algo como um objeto percebido pelas sensações, mas antes “consciência do corpo é a impregnação da consciência pelo corpo” (GIL, 2004, p.14). Para que haja essa