Revista Rua


Aprendizagens da cidade: corporeidades em intervenções urbanas
Learning City: corporealities in urban interventions

Juliana Soares Bom-Tempo

Saímos assim, do corpo-máquina-organismo cartesiano para alargar os limites do corpo até o infinito ao invadir os contextos urbanos com corpos-dança, criando dobras. A dança com o grupo Caleidoscorpos nos possibilitou experimentar e sentir esse novo corpo.
Experienciado em um devir-outro, que nascia a cada intervenção nas praças, nas ruas, nos espaços públicos que dançávamos. Havia um quê de Loucura em nossa dança, algo que abria a possibilidade de abrigar a Loucura no seu sentido mais potente e criativo. Loucura oposta àquela capturada pela área da saúde. No entanto, intimamente relacionada à cultura, vivenciando trânsitos, criando os abalos sísmicos na rotina dos corpos capturados pelo mercado e pelas fragmentações impostas pelo cotidiano da cidade. Uma Loucura que dizia de uma saúde criativa e poética, não de uma saúde adaptativa e normativa, nas quais as subjetividades são esmagadas pelos poderes dominadores de uma cultura de massa presentes no urbano.
Além de trabalharmos o corpo intensivamente, durante a semana com exercícios de consciência corporal e de contato entre os corpos, nos finais de semana fazíamos as intervenções em praças públicas, com elementos diferentes, às vezes com figurinos, outras não, às vezes com música, em outras com os próprios sons do cotidiano da cidade (carros buzinas, cachorros latindo) e as falas dos passantes, como por exemplo, um dia que uma pessoa que passava frente à intervenção gritou: “olha os malucos”. Vários elementos que demandavam uma disponibilização de que nos abríssemos para o imprevisível, para um devir-outro, nos tornando outro corpo, que, às vezes, eram o corpo do grupo, outras da árvore, outras do carro, outras da buzina, outras do passante, outras da cidade. Houve outro episódio em que dançávamos em uma praça e um passante estava de bicicleta em uma ladeira e foi olhar com certo estranhamento para o que ocorria ali e acabou caindo da bicicleta, capotando, nada de grave ocorreu, mas interferimos no seu itinerário ciclístico, ele levantou-se e prosseguiu, nós interagimos em uma comunicação silenciosa com aquele fato e incorporamos a cena na dança daquele momento.
Assim, entrávamos em outro nível de comunicação, sem personagens, sem representações e nos dissolvíamos naquele contexto. Corpos abertos misturados as sensações das cidades e transformando-se em corpos-cidade. Agenciamentos maquínicos que engendravam certo lado de fora presente no urbano que sentíamos pelas intensidades e atualizávamos em movimentos não rotineiros, configurando desvios dos movimentos dos corpos dançarinos e dos corpos transeuntes aprendizagens frente a outros corpos e outra cidade.